Pesquisas em geotecnologia auxiliam TCU a fiscalizar obras públicas
Ferramentas desenvolvidas pelo IGC e pelo DCC analisam viabilidade de empreendimentos e detectam inconformidades em ferrovias
Duas pesquisas desenvolvidas na UFMG, vinculadas à geotecnologia, serão peças-chave do Projeto GeoControle, desenvolvido pelo Tribunal de Contas da União (TCU) para maximizar a eficiência das atividades de fiscalização e controle externo em projetos e obras de infraestrutura.
Pesquisadores do Departamento de Cartografia do Instituto de Geociências (IGC) entregaram ao TCU cinco modelos de inteligência geográfica destinados a estudos de viabilidade para obras e investimentos nas áreas de ferrovia, rodovia, linha de transmissão de energia, aeroportos e construção de escolas. Um grupo do Departamento de Ciência da Computação, do ICEx, por sua vez, está criando uma ferramenta baseada em reconhecimento de padrões por Deep Learning para automatizar a busca, em imagens de satélite, de possíveis inconformidades em empreendimentos lineares, como ferrovias e rodovias. Nos dois casos, os contratos foram firmados entre a Fundep e a agência alemã GIZ, que investe em projetos de interesse ambiental na América Latina.
Corredores de viabilidade
Em abril deste ano, equipe coordenada pelo professor Rodrigo Affonso Albuquerque Nóbrega, do IGC, finalizou o projeto Fortalecimento do controle externo na área ambiental, que se desdobra em propostas de corredores de viabilidade técnica, econômica e ambiental para apoiar os auditores do TCU na análise das polêmicas propostas de traçado da ferrovia Ferrogrão, do rodoanel da BR-153 em Goiânia e de linha de transmissão de energia que ligará a usina de Belo Monte, no Pará, ao interior da Bahia. Os pesquisadores também analisaram e classificaram aeródromos em todo o país para criar um ranking de prioridades para aplicação de recursos do Governo Federal. O quinto e último modelo identificou áreas mais adequadas para a construção de creches, tema sugerido pela Secretaria de Controle Externo da Educação, da Cultura e do Desporto do TCU.
A metodologia emprega análise espacial multicritérios que possibilita, de forma organizada, operar grandes quantidades de dados por meio de protocolos baseados em análises geográficas contextuais e regras de decisão. Aspectos como tipo de solo, declividade de terreno, vegetação e proximidade de vias de acesso são representados em mapas, e a chamada “álgebra de mapas” integra as variáveis geográficas em uma equação.
“O que sai da equação é uma superfície de viabilidade que alia eficiência e custo. Duas das qualidades do modelo que despertaram o interesse do TCU são a eficiência do método e a transparência quanto aos dados e às regras de decisão. É possível atribuir pesos diferentes aos aspectos, criando cenários diversos para análise do gestor”, explica Rodrigo Nóbrega, engenheiro cartógrafo, com pós-doutorado pelo Geosystems Research Institute, da Mississippi State University (EUA).
De acordo com o professor, um dos objetivos dos modelos é a monetização da superfície ao longo do tempo. A ideia é que os auditores possam avaliar a viabilidade de um empreendimento antes que o Governo publique o respectivo edital, evitando aditivos de contrato e remediações jurídicas geradas por propostas mal formuladas.
Os estudos relacionados à Ferrogrão, que vai conectar a região de Sinop (MT) ao porto de Miritituba (PA) envolveram 36 variáveis. Muitas vezes, elas concorrem entre si. “Por exemplo, ao contornar uma área urbana, encontramos uma reserva florestal. Entre esses dois elementos, pode haver um rio, o que implica a necessidade de uma ponte e, consequentemente, aumento de custo. Mas pode valer a pena fazer um desvio longo, a depender da relação custo-benefício, considerando a longevidade do empreendimento”, comenta Rodrigo Nóbrega, que contou com a parceria da professora Maria Marcia Magela Machado, também do IGC, e de alunos da pós-graduação.
Segurança viária
Os maiores desafios, no caso da Ferrogrão, foram a extensão (aproximadamente 980 quilômetros) e as questões relacionadas à expansão da fronteira agrícola, à preservação ambiental e ao respeito a áreas indígenas e assentamentos rurais. No caso da rodovia intermunicipal localizada na região metropolitana de Goiânia, uma preocupação central foi a segurança viária, evitando rampas acentuadas, trechos de passagem de fauna e proximidade de concentração populacional.
O traçado da linha de transmissão que sai de Belo Monte incluiu quatro subestações previamente definidas pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Os pesquisadores receberam a diretriz básica, composta de segmentos retos que juntos somam cerca de 1,5 mil quilômetros, atravessando os biomas Amazônia e Cerrado, e encontraram aldeias indígenas, áreas quilombolas, cavernas e vários tipos de solo. “Adaptamos o modelo a outra forma de pensamento, porque a lógica da energia é diferente da que rege um traçado de ferrovia”, diz Rodrigo Nóbrega. A modelagem possibilitou antever a interseção de áreas ambientalmente sensíveis e áreas protegidas e formar corredores de viabilidade que indicam o caminho menos oneroso nas perspectivas socioeconômica, física e ambiental.
Para o modelo destinado a ranquear os aeródromos, o trabalho realizado na UFMG gerou cenários por critérios econômicos, espaciais, logísticos, turísticos e ambientais, adequados às diretrizes da Agência Nacional de Aviação Civil. Foi criada uma superfície potencial que quantifica a conveniência dos investimentos federais. O modelo criado para a construção de creches foi o mais desafiador para o grupo do IGC, em razão da inexperiência com o tema. Desenvolvido de forma experimental para o município de Belo Horizonte, ele considerou indicadores de aprendizagem e socioeconômicos, disponibilidade de equipamentos públicos, entre outros aspectos. A expectativa é que os modelos possam ser codificados e compilados para emprego pelos auditores do TCU em estudos de casos similares.
Detector de inconformidades
Imagens de satélite sobre uma ferrovia que atravessa parte do Brasil geram enorme quantidade de informação. Como órgão fiscalizador, o Tribunal de Contas da União (TCU) precisa de agilidade, por exemplo, para identificar irregularidades, como pontos de erosão e construções indevidas às margens da linha de trem. Para mapear possíveis inconformidades, o grupo de interesse em Reconhecimento de Padrões para Observação da Terra (Patreo), do Departamento de Ciência da Computação do ICEX, desenvolve ferramentas baseadas em inteligência artificial, utilizando processo de classificação supervisionada para detectar padrões visuais de irregularidades nas imagens aéreas.
O grupo da UFMG desenvolve a ferramenta em forma de plug-in que poderá ser incorporada ao software comercial de geoprocessamento utilizado pelo Projeto GeoControle, do TCU. “Os softwares comerciais fornecem algoritmos clássicos e genéricos, que não garantem qualidade para aplicações tão específicas. Estamos criando uma abordagem especializada para reconhecimento desse tipo de padrão”, afirma o professor Jefersson Alex dos Santos, coordenador do projeto, iniciado há pouco mais de dois meses e com duração prevista de um ano.
A ferramenta que será entregue pelo Patreo é baseada em Aprendizado Profundo (do inglês deep learning), técnica de inteligência artificial que é a mais avançada para reconhecimento de padrões, com índices de acurácia que chegam próximo de 100% para várias aplicações. Desenvolvido na década de 1990 e impulsionado nos últimos anos pelos avanços de hardware, o tipo mais comum de Deep Learning, segundo Jefersson dos Santos, é baseado em redes neurais artificiais convolucionais, conjunto de técnicas inspiradas no córtex visual do cérebro humano.
De acordo com o professor do DCC, um ano será tempo suficiente para preparar o plug-in que detecte as principais irregularidades relacionadas à construção de ferrovias e à gestão fundiária. Nesse último caso, o objetivo do TCU é aferir dados do Cadastro Ambiental Rural e fiscalizar o Projeto Terra Legal, na Amazônia.
Amostras sintéticas
Como há poucas amostras de imagens de irregularidades, e o Deep Learning demanda grande quantidade de amostras para funcionar de maneira adequada, o sistema será abastecido e treinado com amostras geradas sinteticamente. “Vamos usar imagens de outras fontes, como rodovias, que abrigam situações similares às das ferrovias, para enriquecer nossa base de dados”, explica Jefersson dos Santos.
Criado em 2014 pelo próprio professor e alunos, o grupo de interesse em Reconhecimento de Padrões para Observação da Terra iniciou suas pesquisas com mapeamento de culturas agrícolas. Nos últimos dois anos, publicou artigos que demonstravam o potencial do Deep Learning para aplicações em sensoriamento remoto.
O grupo do DCC foi escolhido para atuar no projeto GeoControle via chamada pública, e o sistema criado na UFMG será disponibilizado para outros tribunais de países latino-americanos. A equipe coordenada por Jefersson Alex dos Santos reúne dois alunos de doutorado e dois de graduação, mais um gerente de projetos com experiência no mercado.