Editora UFMG lança livro sobre a improvável amizade entre um jabuti e um inseto
Obra discute caráter relativo da experiência do tempo ao tratar do encontro entre o réptil, que chega a viver mais de cem anos, e a siriruia, inseto cujo ciclo de vida dura no máximo um dia
As siriruias (mais conhecidas como “efeméridas”, da ordem ephemeroptera) são um dos bichos com a menor expectativa de vida em todo o reino animal: quando eclodem para a fase adulta (depois de passarem algum tempo como ninfas dentro d’água), elas vivem no máximo um dia – tempo contudo suficiente para se acasalarem (em uma revoada sincronizada que faz do enxame uma espécie de balé de redemoinhos) e botarem os ovos que darão azo à próxima geração.
A vida desse inseto apressado para viver – que também costuma ser chamado de aleluia, borboleta-de-piracema, sarará, besouro-de-maio e sirirujá, a depender da região do país – é tão curta que ele nem mesmo se alimenta, apenas dança, acasala-se e morre. O jabuti, por sua vez, em mais de um aspecto parece ser o exemplar diametralmente oposto à siriruia, no reino animal: com capacidade de viver por mais de cem anos, o bicho atravessa os seus dias sem pressa para nada, como se tivesse todo o tempo do mundo.
Essa diferença é o mote de O jabuti e a siriruia: o ciclo da vida, livro em que a escritora e professora de literatura da Unicamp Márcia Abreu conta a história da improvável amizade entre dois indivíduos dessas espécies no dia em que o inseto eclode como imago e corre para completar, no seu único dia de vida, o objetivo de sua existência.
Fruto de um edital de 2019 da Editora UFMG, que selecionou projetos de obras literárias de divulgação científica focadas no público infantojuvenil, o livro de Márcia trata de como a experiência do tempo pode ser relativa, em face das possibilidades e dos objetivos que se apresentam para cada indivíduo – e, claro, de como até mesmo as relações mais improváveis podem resultar numa verdadeira amizade.
“Eu tive a ideia desse livro em um momento em que andava muito inquieta com a coisa da duração da vida, a ideia que a gente tem de que viver por muito tempo é um valor em si mesmo. Eu acabei concluindo que não é, ou seja: depende da qualidade da sua vida, depende do que você está fazendo, de quão intensamente você está vivendo. Então, a partir desse pensamento abstrato, resolvi construir essa história mais concreta”, explica a autora. “Foi assim que cheguei no contraponto entre o jabuti, que todo mundo conhece, e esses insetos que vivem tão pouco tempo, mas que consideram esse pouco tempo a vida inteira, e ‘não têm problema’ com isso”, diz.
Ao acompanhar a história, os pequenos leitores conhecem melhor a anatomia desses animais, descobrem como eles se comportam, como se alimentam, como se reproduzem e quem são seus predadores, entre outras informações sobre a sua natureza – e ainda são provocados a pensar sobre a questão do tempo, tendo um primeiro contato mais elaborado com a noção de relatividade. “Se você ficou com pena do bichinho que vive pouco e entusiasmado com a vida comprida do outro, vai se surpreender com esta narrativa. Nem sempre viver muito é bom. Nem sempre um único dia é pouco”, provoca a sinopse do livro, já disponível no site da Editora UFMG e nas livrarias.
Márcia destaca o rigor científico que subjaz ao discurso literário de sua obra, uma exigência da Editora UFMG também para o selo Estraladabão. “Eu fiz bastante pesquisa, li muitos artigos científicos. A coisa da ‘dança’ da siriruia, por exemplo, que se estrutura em dois ‘furacõezinhos’: isso foi embasado em um diagrama de um estudo científico sobre o acasalamento desses insetos. Então, toda essa parte científica é baseada em estudos e artigos científicos. E o texto da história ainda foi revisado, em seu aspecto científico, por uma amiga bióloga, a quem o livro é dedicado”, conta a escritora, citando Vera Solferini, também professora da Unicamp.
Iguais ou diferentes?
Também lançado recentemente pelo selo Estraladabão, Iguais ou diferentes? é outro livro que de algum modo apresenta a relatividade para o público infantojuvenil, mas dessa vez tematizando o Transtorno do Espectro Autista (TEA) e os desafios sociais que lhe são inerentes. Na obra, em um estudo da própria singularidade, o menino Bídu vai avançando aos poucos adentro do paradoxo de descobrir que as pessoas serão sempre iguais e, ao mesmo tempo, sempre diferentes umas das outras, se consideradas na amplitude e pluralidade de suas vontades e de seus mais diferentes aspectos.
Com foco no público infantil, Iguais ou diferentes? foi escrito por Fernanda Pedrosa (médica formada em educação inclusiva e mãe do Paulo, a criança que inspirou o livro) e Janaina Matos Moreira, professora do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG, cuja atuação tem foco na primeira infância. As ilustrações são de Giovanni Barbosa e do Paulo Magno Pedrosa, o rapazinho que inspirou a história. “Tenho seis anos e desde pequeno sou fascinado por livros e por fazer desenhos. Bídu foi o apelido que eu recebi da minha irmãzinha logo que nasci”, declara o ilustrador mirim na sua minibiografia, ao fim da obra.
Livro: O jabuti e a siriruia: o ciclo da vida
Autora: Márcia Abreu
Ilustrador: Bira Dantas
R$ 45 / 63 páginas
Editora UFMG
Selo Estraladabão
Livro: Iguais ou diferentes?
Autoras: Fernanda Pedrosa e Janaina Matos Moreira
Ilustradores: Giovanni Barbosa e Paulo Magno Pedrosa
Editora UFMG
R$ 30 / 32 páginas
Selo Estraladabão