Boletim
UFMG contra o Aedes
Desarmando a bomba
Pesquisa desenvolvida no ICB estuda fatores que contribuem para a propagação da epidemia de dengue
Para conhecer o modo como o mosquito Aedes aegypti – transmissor da dengue, da chikungunya e da zica – se espalha, a bióloga e doutoranda Cecília Marques Toledo, do Programa de Pós-graduação em Bioquímica e Imunologia da UFMG, está descrevendo os fatores que favorecem a disseminação da epidemia da dengue. Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, é usada como modelo do estudo, denominado Estabelecimento de áreas de estudos de fatores imunológicos para a dengue.
“Escolhi a capital gaúcha porque lá já é realizado o monitoramento preventivo da dengue há mais de três anos. Não podíamos fazer o trabalho com dados de Belo Horizonte, onde a dengue é epidêmica”, explica Cecília. Seu trabalho busca desenvolver estratégias preventivas. No caso de Porto Alegre, agentes da prefeitura realizam ações para coletar mosquitos por meio de armadilhas. Em seguida, verificam se eles pertencem à espécie Aedes aegypti e, em caso afirmativo, os enviam ao laboratório da Ecovec, empresa de biotecnologia instalada no Parque Tecnológico de Belo Horizonte (BH-TEC).
“Nos laboratórios da Ecovec, eu analiso os mosquitos para verificar se apresentam alguma das espécies do vírus da dengue (DEN-1, DEN-2, DEN-3 ou DEN-4) ou da chikungunya ou zica. Se os exames forem positivos, a Prefeitura de Porto Alegre é notificada. A partir daí, os agentes realizam intervenções nas áreas de coleta do mosquito”, conta Cecília Marques. Segundo a pesquisadora, essas ações preventivas contemplam visitas às casas. Nelas, os agentes aplicam remédios que impedem o desenvolvimento das larvas do Aedes aegypti. “Assim, a prefeitura evita que o vírus se espalhe. Por isso, é importante que a ação seja feita rapidamente, logo depois de se comprovar que os mosquitos portam o vírus”, acrescenta.
As análises dos mosquitos enviados à Ecovec possibilitam que a pesquisadora, por meio da elaboração de mapas, gráficos e tabelas, desenvolva um perfil de caracterização do avanço da doença. Para que a epidemia de dengue se manifeste, são necessárias três condições: a presença do vírus, a existência do mosquito e o fator humano. Em dois anos, o estudo concluiu que fatores como temperaturas mínimas superiores a 20° e umidade acima de 60% são essenciais para que o mosquito sobreviva o tempo suficiente para transmitir o vírus.
A pesquisadora ressalta que o trabalho considera, sobretudo, o fator humano, até então pouco estudado no Brasil. Segundo ela, os estudos feitos com os dados cedidos pela Prefeitura de Porto Alegre mostram que o deslocamento dos habitantes por uma cidade é determinante para a propagação da dengue. “As pessoas acabam disseminando a doença e não procuram um posto de saúde para fazer a notificação. Além disso, percebemos que, em épocas de grande aglomeração, como o carnaval, o vírus se espalha devido ao deslocamento das pessoas. Um gaúcho que passa o carnaval no Rio de Janeiro, cidade epidêmica, pode contrair o vírus e levá-lo a Porto Alegre. Lá, um mosquito pode picá-lo e, então, transmitir o vírus”, diz.
Ela destaca que, em regiões de população com maior renda, a doença tem mais chances de se disseminar, pois a movimentação pelo país é mais frequente. “Em Porto Alegre, observamos que, em áreas mais ricas, a doença se espalha mais porque as pessoas viajam várias vezes no mês. Porto Alegre é também uma cidade portuária. Os navios que chegam também favorecem o aparecimento da doença”, explica Cecília Toledo.
A pesquisadora esclarece que o estudo possibilita entender a importância dos trabalhos preventivos para que não surjam novas epidemias em cidades com poucos casos notificados. “Apesar do clima mais ameno, a cidade registra muitos mosquitos no verão. Eles só não se propagam porque a Prefeitura faz um trabalho de coleta e análise dos insetos, com posterior ação dos agentes nos locais de presença dos portadores do vírus”, analisa a pesquisadora.
O fator aquecimento global
Para Cecília Marques, o aquecimento global tem feito a dengue se estabelecer em regiões de clima temperado. “As regiões sul do Brasil, dos Estados Unidos e da Europa, por exemplo, eram locais considerados livres do Aedes aegypti porque apresentavam clima mais ameno. Com o aquecimento global, as temperaturas têm aumentado, e esses lugares passaram a apresentar casos da doença”, diz a doutoranda.
Ela acrescenta que é nesse aspecto que reside a importância da sua pesquisa de doutorado. “Se eu estudo uma cidade como Porto Alegre, que tem clima semelhante ao de tantas outras, é possível valer-me desse perfil para entender a propagação do mosquito em outros locais. Assim, com base na pesquisa, outras cidades podem planejar o modo como vão monitorar a disseminação das doenças causadas pelo Aedes aegypti”, argumenta.
Em cidades epidêmicas, como Belo Horizonte e Rio de Janeiro, a pesquisa favorece o monitoramento eficiente do ciclo de vida do mosquito. “Mesmo que a epidemia esteja instalada, podemos impedir o seu crescimento, com base em informações sobre as mudanças de temperatura e umidade durante as estações do ano e sobre a época e o destino das viagens de seus habitantes”, afirma a doutoranda.
A agilidade das ações de combate também é essencial para evitar as epidemias, já que o mosquito precisa de 7 a 10 dias para transmitir o vírus. A pesquisadora alerta que as medidas de combate devem ser tomadas em até 10 dias depois da descoberta de que o vírus está circulando em determinada região. “Com as informações fornecidas pelos gráficos, tabelas e quadros da minha pesquisa, os gestores dos municípios saberão o momento para ativar todas as suas forças no combate à doença”, conclui Cecília Marques Toledo.