Um olhar além das montanhas
Desde que o homem se diferenciou dos demais seres vivos, o planeta não foi mais o mesmo. Assim, as diferentes paisagens planetárias passaram a refletir também o legado que os humanos têm deixado ao ecúmeno: uma saga com diferentes permanências e rupturas no tempo e no espaço.
Hoje praticamente todo o globo terrestre foi apropriado direta ou indiretamente pelo ser humano, que deixa as marcas de sua historicidade impressas nos lugares e nas paisagens. E cada vez mais as paisagens dialogam em diferentes escalas – do âmbito global à realidade local. São tempos de globalização em que a égide urbano-industrial capitalista se expande e se condensa.
“só os mineiros sabem e não revelam nem a si mesmos o irrevelável segredo chamado Minas”
Aqui no Brasil, mais especificamente em Minas Gerais, as paisagens falam de um jeito de ser e estar no mundo, no mínimo peculiar – jeito de mineiro, habitante da terra das Alterosas, polo indutor minerário desde o Brasil Colônia, que, com suas paisagens e pessoas, parece-nos um segredo indecifrável – um diamante inlocalizável. Como diria Carlos Drummond de Andrade: “só os mineiros sabem e não revelam nem a si mesmos o irrevelável segredo chamado Minas”.
Desde os tempos dos primeiros bandeirantes, Minas parece um enigma atrás das montanhas. O famoso “decifra-me ou te devoro” talvez não se aplique tão bem a outros lugares do mundo como se aplica às terras mineiras. Há de se reconhecer nessa fala certa generalização, pois cada lugar é único, assim como as pessoas que o habitam, que têm lá suas particularidades. Nessa profusão de particularidades, destaca-se o mineiro e sua mineiridade. Minas é um mundo à parte, um pequeno mundo dentro do Brasil. Numa perspectiva fenomenológica, é um vasto e complexo campo de estudo. O mineiro, com seus múltiplos saberes e fazeres, consolida seu jeito de ser e estar no mundo. A mineiridade, entendida aqui como o legado histórico-cultural, é a identidade dos mineiros.
Mas as especificidades do mineiro vão além do peculiar gentílico e do sotaque. É um “trem” complicado o mineirês – forma de falar digna de uma pesquisa na área de dialetologia. Serve aqui de exemplo aquele famoso questionamento filosófico: de onde vim? onde estou? para onde vou? No mineirês, o negócio fica mais ou menos assim: doncovim? oncotô? proncovô? Pois é, Minas é assim, a metade de um caminho, no mínimo misterioso e encantador, chamado Brasil. O mineiro e suas paisagens são um recanto brasileiro a se descobrir. Vários turistas desembarcam no estado e se surpreendem com as histórias locais, a culinária, os lugares, os pequenos mundos de um mundo maior.
O turismo traz novas perspectivas: Minas Gerais, historicamente consolidada no cenário nacional e mundial como local de mineração, experimenta novas possibilidades e potencialidades. Minas é mais que minério, ouro, diamante ou ferro. Minas é também ruralidade, um oásis em meio às montanhas – montanhas que, incrivelmente, sob o ponto de vista geológico, nem existem no Brasil. Mas em Minas elas são o imaginário coletivo de um povo.
Minas é um território em transição onde modernidade e tradição dialogam, onde roça e cidade contam causos aos visitantes. Causos do Brasil Colonial, do Brasil Imperial e dos tempos republicanos.
De todos os presidentes do Brasil, oito nasceram na terra das Alterosas. São daqui alguns nomes relevantes na economia e na política. São mineiros alguns dos grandes nomes da ciência, da música, das artes e da literatura. Carlos Chagas, Clara Nunes, Fernando Sabino, Grande Otelo, Guimarães Rosa, Joaquim José da Silva Xavier (Tiradentes), Juscelino Kubitschek e Tancredo Neves, entre outros tantos eminentes.
E as Minas Gerais no dia a dia dos alunos mineirinhos, como será que se projeta? Ao conceber a educação como meio de possibilitar aos indivíduos o acesso aos bens culturais de seu povo, Minas apresenta possibilidades múltiplas. A educação mineira lança-se no desafio de prover aos alunos da educação básica muito mais do que o previsto nos conteúdos curriculares. As Minas e as Gerais, em forma de conteúdo didático-pedagógico, vão além dos livros e das salas. É possível ver além das montanhas. Assim, saberes e fazeres não mais se limitarão à geografia e à história. Perpassarão todos os conteúdos científicos e abordagens possíveis. É preciso entender que a escola promove esse diálogo e essa conexão. Em cada pensamento moram outros pensamentos.
Essa discussão perpassa diálogos multidisciplinares e transdisciplinares, tecendo considerações e reflexões nos aspectos científicos, éticos, políticos, culturais, ecológicos, econômicos, tecnológicos e sociais. Interdisciplinarmente, conceitos específicos se integram para discutir e sugerir formas de minimizar os efeitos perversos do sistema capitalista. A preocupação metodológica não mais se restringirá às cinco séries dos anos iniciais, às quatro séries dos anos finais ou aos três anos do ensino médio.
Além das montanhas, vislumbram-se novos horizontes. Que a mineiridade renove suas bases curriculares no sentido de que a educação básica forme valores e cidadãos. Uma Minas com sujeitos protagonistas e contadores de suas próprias histórias existenciais. Um lugar em que cada cidadão continue lançando-se no imaginário de uma nação. Minas é isso, é Brasil. E não poderia deixar de dar melhor contribuição. Somos mineiros, mas, acima de tudo, somos brasileiros, de corpo, alma e coração.
(Vagner Luciano de Andrade - Agente da Rede Ação Ambiental, com formação em ecologia, geografia, magistério, patrimônio e turismo)
(Alexandre Gomes Nick - Geógrafo e especialista em educação do campo)