O rio da minha escola
Pesquisa do ICB comprova consistência de monitoramento ambiental de riachos feito por estudantes e professores do ensino básico
O monitoramento de rios urbanos por estudantes de escolas públicas e privadas, em parceria com universidades, é uma ferramenta eficaz para melhorar o ensino de ciências, aumentar a participação social e proteger os serviços ecossistêmicos fornecidos pelos cursos d’água, revela pesquisa recém-publicada no periódico Ambio, de alto impacto na área de ecologia.
Desenvolvido no Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG, em colaboração com a Oregon State University, dos Estados Unidos, o trabalho é parte da pesquisa de doutorado de Juliana Silva França, sob orientação do professor Marcos Callisto, do Departamento de Biologia Geral. Trata-se do monitoramento participativo de riachos nas bacias hidrográficas dos rios Paraopeba e das Velhas, realizado por meio de índices biológicos e multimétricos adaptados para aplicação fora dos laboratórios da Universidade.
“Demonstramos, por meio de estudos científicos bem fundamentados, que jovens estudantes podem ser treinados para usar metodologias simplificadas e, assim, avaliar a qualidade ambiental e monitorar a condição das águas urbanas”, diz a pesquisadora, cuja tese validou a consistência de avaliações de 46 ecossistemas aquáticos realizadas por 155 professores e 1.810 estudantes de 54 escolas de ensino básico em 12 municípios mineiros.
Critérios
Após receberem treinamento teórico e prático, os jovens fazem avaliações periódicas de cursos d’água nas imediações de suas escolas. A primeira etapa diz respeito às condições do entorno do rio, como mata ciliar, lixo, esgoto, cheiro e número de moradias. Os resultados são classificados com base em protocolos de habitats físicos. Em seguida, os estudantes examinam a qualidade física e química da água. “Eles fazem coleta e usam eco-kits de avaliação colorimétrica que fornecemos para as escolas. A água muda de cor de acordo com as concentrações de oxigênio, nutrientes e poluição”, relata Juliana França.
Por fim, as equipes, munidas de peneiras, coletam, do leito do rio, macroinvertebrados como minhocas, caramujos e insetos, os chamados organismos bentônicos, por estarem associados ao fundo dos ecossistemas aquáticos. Eles funcionam como indicadores ecológicos, capazes de revelar a qualidade da água. “A pontuação, nesse caso, refere-se à presença e à quantidade de organismos mais sensíveis e dos mais resistentes à poluição”, explica Marcos Callisto.
De acordo com o orientador, o trabalho de Juliana França inova por associar ensino, pesquisa e extensão, por meio da ciência cidadã e do monitoramento participativo. Para Callisto, a abordagem da ciência cidadã é mais do que uma ferramenta, pois representa o engajamento da sociedade, o fortalecimento da cidadania e o investimento no jovem estudante. “Todo esse arcabouço, conceitual e prático, da tese da Juliana têm essas missões”, diz o orientador.
Outro autor do artigo, o professor Ricardo Solar, pondera que a sensação de ser responsável pelo rio que passa próximo da escola traz empoderamento, porque faz esses alunos participarem da sociedade de uma maneira assertiva, tornando-os mais atuantes. Ele explica que o monitoramento de rios, feito dessa forma, é mais efetivo e barato. “É uma tarefa impossível de ser totalmente realizada em escala governamental, mesmo que fosse a única prioridade financeira do país”.
Solar, que é vice-coordenador do Programa de Pós-graduação em Ecologia, Conservação e Manejo da Vida Silvestre, comenta que a experiência é replicável em qualquer local. “Estudamos uma região metropolitana, com uma biodiversidade absurdamente grande, e mostramos que, apesar das dificuldades próprias de um país em desenvolvimento, com ciência básica e participação cidadã é possível avançar no monitoramento e melhorar a condição ambiental de um recurso tão importante como a água”.
Como parte da tese, Juliana França está concluindo a elaboração de um livro, em português, que reúne bases conceituais em ecologia, aspectos metodológicos, interpretação de resultados e relatos de professores que participaram do monitoramento participativo.
O professor Marcos Callisto lembra que as parcerias – mantidas há quase duas décadas pelo Laboratório de Ecologia de Bentos – são fundamentais para a viabilização de trabalhos como esse. Além dos eco-kits de análise, o financiamento é necessário para a produção de materiais como banners, camisetas, bichinhos de pelúcia e um baralho com informações sobre os organismos bentônicos, que tornam lúdica a atividade e atraem os jovens.
Colaboraram para a pesquisa as empresas Gerdau e Cemig. O professor Robert Hughes, da Oregon State University, tem contribuído com a equipe de Callisto, nos últimos dez anos, no desenvolvimento e adaptação de ferramentas de avaliação de qualidade ambiental para a situação brasileira – no Cerrado e também na Amazônia, em colaboração com outros grupos de pesquisa brasileiros.
O trabalho de monitoramento conquistou o terceiro lugar na edição 2018 do 2º Prêmio Boas Práticas Ambientais Sistema Águas Gerais, do Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sisema).
Artigo: Student monitoring of the ecological quality of neotropical urban streams
Autores: Juliana Silva França, Ricardo Solar, Robert Hughes e Marcos Callisto
Disponível em: https://bit.ly/2zSu759