Saúde cerebral ainda que tardia
Neurologista da UFMG estuda efeitos da alfabetização sobre a memória e a capacidade cognitiva de adultos
A médica neurologista Elisa de Paula França Resende se comove ao perceber os progressos apresentados pelos voluntários – de 23 a 80 anos – participantes de sua pesquisa que busca dimensionar os efeitos da alfabetização tardia sobre a memória e a conectividade cerebral. “Como é bonito vê-los aprendendo a ler”, observa. Em consonância com pesquisadores do mundo inteiro, Elisa sustenta que o baixo nível educacional integra seleto grupo de fatores de risco controláveis da demência – os outros são a hipertensão arterial, o diabetes, o tabagismo, o sedentarismo, a depressão e a perda auditiva, este de constatação mais recente.
Considerada uma síndrome clínica, a demência apresenta conjunto de sintomas decorrentes de várias causas irreversíveis. No entanto, 30% delas, incluindo o baixo nível educacional, são possíveis de prevenção. Esse é o objeto da pesquisa, iniciada neste ano, pela médica, que integra o Grupo de Neurologia Cognitiva do Comportamento do Hospital das Clínicas, coordenado pelo seu professor e orientador, Paulo Caramelli.
Os voluntários passarão por avaliação da memória, realizada por meio de testes neurocognitivos, como os de raciocínio e orientação, e exame de ressonância, no início e término da pesquisa, para comparação dos resultados.
Também doutoranda do Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Neurociências da UFMG, Elisa França vai investigar, até 2020, cerca de 50 estudantes matriculados na Educação de Jovens e Adultos para comprovar se, mesmo na fase adulta, a alfabetização pode contribuir para a saúde cerebral das pessoas. “Nossa expectativa é validar a hipótese de que os estímulos gerados pela escolarização contribuem para produzir mais conexões cerebrais e estratégias de memorização por parte dos estudantes. Caso se confirme, vamos mostrar, mais uma vez, que, mesmo tardiamente, a educação promove a saúde cerebral das pessoas”, afirma. Os voluntários passarão por avaliação da memória, realizada por meio de testes neurocognitivos, como os de raciocínio e orientação, e exame de ressonância, no início e término da pesquisa, para comparação dos resultados.
Segundo a pesquisadora, que participou, nos últimos dois anos, do Programa de treinamento Atlantic Fellows, para formação de líderes em saúde cerebral do Global Brain Health Institute, especialistas dos Estados Unidos, da França, da Inglaterra e da Holanda demonstram que pacientes com alta escolaridade têm mais conectividade cerebral, maior resiliência e tolerância diante dos sintomas da doença. “Ainda não sabemos se estudar por mais tempo gera mais conectividade cerebral, ou vice-versa. No entanto, alguns estudos revelam que pessoas com mais de 12 anos de escolaridade apresentam os sintomas da demência cerca de oito anos mais tarde e são mais tolerantes à doença, em comparação com pessoas de baixo nível educacional”, relata.
Desigualdades
A convite do diretor do treinamento, Bruce Miller, Elisa Resende – que em 2016 foi a única neurologista representante da América Latina na equipe – publicou o artigo Saúde e desigualdades socioeconômicas como contribuintes para a saúde do cérebro, no periódico JAMA Neurology. No trabalho, ela indica diferentes taxas de demência entre populações diversas, ou até mesmo entre populações de regiões de um mesmo país, em razão das disparidades socioeconômicas, fator visto como forte determinante da doença, até mais que a raça e indicadores culturais. “A idade e risco genético ainda não são modificáveis, mas os problemas atribuídos às condições socioeconômicas, como o baixo nível educacional e dieta pobre em nutrientes, representam 30% dos riscos que podem e devem ser alterados”, reforça a neurologista.
Pesquisas realizadas nos Estados Unidos, que acompanham pacientes desde 1970, revelam queda de novos casos de demência entre a população com escolaridade acima do ensino médio, resultado encontrado também em Cuba. Segundo a neurologista, outros estudos também sugerem que há uma relação entre memória e tamanho do hipocampo (região do cérebro responsável pela memória). “Em pessoas com pelo menos quatro anos de escolaridade, quanto maior o hipocampo, melhor a memória. Embora os pesquisadores também desconheçam a causa e o efeito dessa relação, trata-se de mais um indício dos estímulos educacionais sobre o cérebro humano”, acrescenta Elisa França Resende.
Sem cura
Doença progressiva e ainda sem cura, a demência afeta, principalmente, idosos, comprometendo as funções cognitivas – a memória, a linguagem, o raciocínio, a atenção e, como consequência, a capacidade de gerir a própria vida, desde o ato de se vestir e se alimentar, até o desempenho de atividades mais complexas, como dirigir.
Como a idade é um dos principais fatores de risco, o número de casos deve aumentar em quatro vezes, até 2015, nos países em desenvolvimento, cuja expectativa de vida é ascendente. Nos Estados Unidos, a demência é a doença mais dispendiosa, gerando custos de US$ 200 bilhões anuais.