O direito de morar
Projeto de extensão cria plataforma digital com conteúdos destinados a grupos que lutam por moradia adequada
Mesmo depois de 30 anos da promulgação da “Constituição Cidadã”, mais de 15 anos da publicação do Estatuto da Cidade e aos oito anos de vigência da Emenda Constitucional 64/2010, que incluiu o direito à moradia no elenco das garantias fundamentais, ainda faltam mecanismos que possibilitem a concretização do usufruto equitativo e da democracia no ambiente urbano. O direito à moradia como expressão de uma das funções sociais das cidades só pode ser efetivado mediante múltiplas formas de exercício.
Com base nesse princípio, professores, pesquisadores e alunos de graduação e pós-graduação da Faculdade de Direito criaram, em 2017, uma plataforma digital pelo direito à moradia adequada. Trata-se do RE-HABITARE, iniciativa que alia ensino, pesquisa e extensão, coordenada por Daniel Gaio, docente de Direito Urbanístico e Ambiental, com subcoordenação de Marco Antônio Sousa Alves, professor de Teoria e Filosofia do Direito.
A plataforma é destinada a moradores de ocupações, movimentos de luta por moradia, advogados populares, defensores, promotores de justiça, gestores públicos e estudantes das mais variadas áreas. Daniel Gaio explica que a iniciativa surgiu para atender a uma necessidade de sistematização do conhecimento produzido sobre o assunto por vários grupos de pesquisa. “Nosso objetivo é agrupar um conjunto de dados, até então dispersos, em uma plataforma de fácil acesso”, sintetiza.
No RE-HABITARE, as linhas de atuação foram escolhidas de modo a direcionar as pesquisas por meio de palavras-chave. A plataforma reúne quase 600 documentos sobre legislação internacional, federal, estadual e municipal, sentenças do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), análise sobre o posicionamento das Câmaras do TJ mineiro sobre direito à moradia, glossário sobre os principais termos relacionados à moradia adequada e uma biblioteca com vídeos, artigos, livros, relatórios, ações e recomendações do Ministério Público, monografias, dissertações e teses. Essas informações servem de parâmetro para análise da condição habitacional na Região Metropolitana de Belo Horizonte.
“Fizemos um mapeamento de como o TJMG decide em relação a questões de moradia social e dividimos em três temáticas: regularização fundiária, remoções forçadas e reintegração de posse. E sistematizamos as informações em fichas após analisar mais de 100 sentenças”, esclarece Gaio. Parte dos conteúdos é resultado de levantamento feito por alunos de graduação na disciplina Formação em extensão universitária, ofertada pelo curso de Ciências do Estado.
História da expulsão
Diariamente, por meio da ferramenta, são compartilhados conteúdos noticiosos de blogs, bancos de dados, jornais digitais e redes sociais. Também estão disponíveis links úteis sobre grupos de pesquisa e extensão, instituições, organizações não governamentais, observatórios e bibliotecas digitais.
O professor chama a atenção para o fato de que a história de Belo Horizonte e de tantas outras cidades brasileiras é marcada pela expulsão de pessoas que “incomodam” quando a valorização imobiliária chega. “Embora existam dispositivos legais que assegurem o direito à moradia adequada, o Poder Público fundamenta a prática da remoção forçada em normativas municipais e decisões de tribunais que desconsideram elementos como a posse, a função social da propriedade e a dignidade da pessoa. É necessário desconstruir essa narrativa, demonstrando os mecanismos jurídicos e políticos utilizados para justificar a violação ao direito à moradia, mas também trazer contribuições concretas que possibilitem reverter esse cenário”, argumenta o professor Gaio.
Recentemente, a plataforma passou a abrigar um guia sobre remoções forçadas, que apresenta o passo a passo dos direitos dos moradores. “Celebramos uma parceria com a DAJ [Divisão de Assistência Judiciária] para o atendimento às comunidades e/ou coletivos que têm seu direito à moradia violado em remoções forçadas pelo Poder Público, em caso de áreas de risco, obras públicas e espaços ambientais protegidos. Também abriremos espaço para as pessoas enviarem textos, em formato mais curto e didático”, informa Daniel Gaio.
Saiba mais sobre o projeto em seu site ou em sua página no Facebook.
A TV UFMG focalizou outro projeto da Faculdade de Direito, a Associação Jurídica Popular Universitária (Ajup), que também trabalha na perspectiva do direito à moradia. Assista ao vídeo: