GANDARELA: território ecológico ou minerário?
A região do Gandarela, localizada no Quadrilátero Ferrífero mineiro, passa por um marco civilizatório que mudará seu destino. Amplas discussões sobre a unidade do seu território convergem para uma oposição: ecologia ou mineração? A localidade e entorno se destacam pelo potencial ecológico, cultural e turístico, embora a história dos homens tente validar outro viés, menos justo, solidário e sustentável. Atualmente, a região encontra-se no centro de um amplo debate sobre seu futuro: parque nacional ou cratera minerária?
Um parque nacional atende a toda uma demanda social e dinâmicas coletivas. Da mineração, não se pode dizer o mesmo. Desde a sua descoberta, a região certamente foi incorporada ao modelo colonizador colonial português. Na área existem registros históricos sobre as diversas empreitadas em busca de metais preciosos e que deram origem a inúmeros povoados, distritos e cidades no entorno: Barão de Cocais, Brumal, Cocais, Itabirito, Morro Vermelho, Nova Lima, Ouro Preto, Rio Acima, Santa Bárbara, entre outros.
Antes dessa corrida maluca, o território era sabiamente apropriado pelos indígenas, possivelmente do grupo dos Aimorés, pejorativamente chamados de botocudos em decorrência de seus adereços e de sua fama de antropófagos. Essa informação parte do princípio de que toda a Bacia do Rio Doce, denominada de “Mato Dentro”, era território ancestral deles e tinha status de “impenetrável” em decorrência da densa, fechada e úmida mata atlântica. E parte do que restou dessa mata atlântica, hoje penetrada pela ambição humana, é o que sobrou na região da Serra do Gandarela, os últimos e mais expressivos fragmentos florestais de Minas Gerais, que precisam efetivamente ser preservados.
O potencial aurífero e minerário dessa região do Quadrilátero Ferrífero já é conhecido e descrito há tempos. O empresário industrial Henrique Lage, nascido em 14 de março de 1881, no Rio de Janeiro, onde viveu até sua morte em 2 de julho de 1941, foi um dos primeiros a descobrir as riquezas desse rincão brasileiro. Pena que sua visão tenha incentivado apenas os setores industriais, como a mineração e a aeronáutica, e não aqueles fundamentais para a preservação da natureza. Hoje ele é homenageado ao emprestar seu nome a um dos parques urbanos da capital fluminense. Triste constatação ou infeliz coincidência? São dele também as primeiras ações para minerar a região, empreendidas da então capital nacional. Foi ele o fundador da Companhia do Gandarela.
No fim da década de 1910, Henrique Lage já planejava a construção da estrada de ferro. Em 1922, o presidente dos Estados Unidos do Brasil, Epitácio Pessoa, atendeu ao seu requerimento, prorrogando, por três anos, o prazo para a conclusão da construção de um entroncamento na Estrada de Ferro Central do Brasil. A intenção do novo ramal naquela ferrovia era escoar riquezas a partir da região das minas do Gandarela, no município de Santa Bárbara, até a estação Aguiar Moreira. Não há registros de conclusão, pois essa intenção parece ter ficado apenas no projeto e no plano das ideias. O Gandarela ficou em relativa paz por duas décadas até começar processos legais de autorização de pesquisa mineral na respectiva cordilheira. Buscava-se naquela serra tudo o que pudesse existir e ser comercialmente aproveitado, incluindo elementos minerais impossíveis de ser encontrados em seu território, dada sua litologia, geomorfologia e história geológica.
Data de 1945 a autorização de Getúlio Vargas para que a empresa Companhia de Mineração e Siderurgia do Gandarela pesquisasse linhito em uma área de 900 hectares delimitada por duas fazendas, Mato Grosso e Gandarela. Na mesma data, também foi autorizada a pesquisa de minério de ferro no município vizinho de Nova Lima, no Estado de Minas Gerais. Isso demonstra a dimensão do recorte geográfico ambicionado por Henrique Lage. Em março de 1946, a Organização Henrique Lage empreende novas tentativas de mineração e siderurgia em terrenos situados nos lugares denominados Gandarela e Manuel José, ambos no Distrito de Conceição do Rio Acima. Essa tentativa incluía o calcário, minério não existente na área de domínio geológico e geomorfológico da região. A autorização de novas pesquisas de calcário e elementos associados no Gandarela, expedida por Eurico Gaspar Dutra, foi empreendida numa área de 478 hectares, delimitada pela confluência do córrego da Cachoeira ou do Moinho com o ribeirão Gandarela.
O que se sabe é que os olhos urbano-industriais capitalistas do sistema socioeconômico então vigente se multiplicaram na região com inúmeros registros de lavras e processos subsequentes de autorização de pesquisa ou extração mineral. Isso se efetivou nas décadas de 1950 até 1990, consolidando inúmeros empreendimentos minerários na Serra do Gandarela, com dimensões e impactos variáveis. No limiar do século 21, essa região ímpar do Quadrilátero Ferrífero tem novamente seus meios ambiental, cultural e social comprometidos por grandes empreendimentos. Destaca-se aí o Projeto Apolo da Vale, que ameaça um mosaico único de ecologia, patrimônios, paisagens e identidades de relevância não apenas local, mas global. O destino está traçado.
* Educador e mobilizador da Rede Ação Ambiental, com formação em Ecologia, Geografia, Magistério, Patrimônio e Turismo