Dois novos craques

Informação ou Marketing?

Em encontro na UFMG, Pesquisadores e jornalistas discutem riscos para o sistema de saúde provocados por matérias publicadas em veículos de comuni

Em painel com jornalistas realizado na última terça-feira, 4, na Faculdade de Farmácia, pesquisadores da UFMG e do Ministério da Saúde questionaram a publicação de textos jornalísticos sobre saúde que não contêm elementos suficientes para que o leitor consiga distinguir propaganda de informação real. O encontro foi uma das últimas etapas de preparação para o lançamento do projeto Media Doctor Brasil, que vai avaliar conteúdos da mídia nacional impressa e eletrônica.

Os pesquisadores alertaram para os danos potenciais de textos que, por não atenderem a critérios de interesse social, podem gerar uso indevido de medicamentos e ainda ser utilizados como peça de apoio a decisões judiciais de pagamento, pelo Sistema Único de Saúde (SUS), de tratamentos cujos benefícios não foram comprovados, o que se tem tornado comum no país, sobretudo nos casos de doenças raras.

Convidados a opinar sobre a metodologia do projeto Media Doctor de avaliação das matérias, jornalistas presentes no encontro argumentaram que a rotina das redações impõe limites como tempo, espaço físico – no caso de veículos impressos – e sobretudo  dificuldade de contato rápido com especialistas que se disponham a avaliar a tecnologia ou o produto em pauta. A discussão gerou a proposta de criação de banco de contatos de especialistas da Rede Brasileira de Avaliação de Tecnologias em Saúde (Rebrats), que reúne órgãos gestores e instituições de ensino e pesquisa.

Participaram do painel jornalistas dos jornais Estado de Minas e Folha de S. Paulo, da revista IstoÉ, da Rádio Inconfidência, do Portal G1, da TV Globo, dos conselhos federais de Farmácia e Medicina e da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec).

Judicialização

De acordo com o professor Augusto Guerra, que coordena o Centro Colaborador do SUS para Avaliação de Tecnologias e Excelência em Saúde (CCates), sediado na Faculdade de Farmácia, a judicialização para fornecimento de novos medicamentos pelo SUS vem crescendo, o que demonstra a necessidade de atenção às pautas relacionadas à saúde, com o intuito de observar se o assunto é levado ao consumidor final e ao prescritor com o propósito de divulgação científica ou como ação de marketing do mercado farmacêutico brasileiro, que está entre os cinco maiores do mundo. 

Professor Francisco Acúrcio discorreu, em sua palestra, sobre descobertas científicas e geração de evidências
Professor Francisco Acúrcio discorreu, em sua palestra, sobre descobertas científicas e geração de evidências Foca Lisboa/UFMG

De acordo com o ­professor, essa estratégia tem causado grandes danos ao sistema público de saúde, quase sempre sem benefícios reais para os pacientes, uma vez que, ao serem noticiados, novos procedimentos ganham status de fato consumado. “O fato vira prescrição e pode se transformar em decisão judicial, o que retira dos cofres públicos dinheiro que seria aplicado em todos os outros tratamentos”. Guerra discorda da ideia de que a divulgação de novos procedimentos, mesmo em abordagens superficiais, seja sempre do interesse do cidadão.

Para a pesquisadora Renata Nascimento, que coordena com Augusto Guerra o projeto Media Doctor, o texto jornalístico sobre saúde “não é uma matéria qualquer. Portanto, se não há tempo ou espaço suficientes para prestar todos os esclarecimentos necessários, talvez seja melhor trabalhar o conteúdo posteriormente”.

A médica Clarice Petramale, da secretaria executiva do Ministério da Saúde, afirmou que notícias que divulgam superficialmente benefícios de medicamentos e outras terapêuticas podem causar sofrimento, ao gerar falsas esperanças para famílias em que haja casos de doenças raras. “Há uma ingenuidade ao se acreditar que essas notícias não terão impacto. Mas nada é inocente, quem oferece a pauta tem algum interesse”, alerta. 

Como avaliador do CCates, Augusto Guerra citou caso de pedido judicial baseado em pesquisa segundo a qual determinado medicamento para câncer renal e hepático ofereceria ganho de 100% de sobrevida a pacientes em estágio avançado da doença. O tratamento custaria R$ 150 mil por paciente. Atenta ao método estatístico utilizado, a equipe do CCates percebeu que o aumento de sobrevida prometido era de três para seis meses, com qualidade de vida inaceitável, pois o medicamento causava fortes e variados efeitos colaterais. “Muitas vezes, o argumento utilizado é estatisticamente significante, mas clinicamente irrelevante”, enfatiza.

Evidências

Segundo Renata Nascimento, os ensaios clínicos desenvolvidos pelo laboratório fabricante para o lançamento de um novo produto mostram a eficácia, ou seja, como o medicamento se comporta em uma condição controlada. “Quando vai para o mundo real, em que há pessoas com diferentes perfis, idades e possibilidades de adesão ao tratamento, a resposta ao medicamento pode ser diferente – trata-se, nesse caso,  de efetividade”, esclarece. 

A pesquisadora explica que a medicina baseada em evidências busca resultados de efetividade, por meio de estudos como coortes e ensaios prolongados, com o objetivo de conhecer a eficácia e a segurança dos produtos. Na palestra A descoberta científica e a geração de evidências para uso pela população, o professor Francisco de Assis Acúrcio, que integra o CCates, mostrou aos jornalistas que há distorções até mesmo na divulgação de ensaios clínicos pelos laboratórios, pois nessa área “não se publica tudo o que se sabe”.

Ana Rita Araújo