A pesquisa e o pesquisador
Ao ser humano, caracterizado como animal racional por Aristóteles, são possíveis duas esferas de atividade: a prática, oriunda de suas habilidades como animal, e a teórica, desenvolvida com base em sua propriedade reflexiva. Além de desempenhar atividades instintivas e rotineiras, que constituem o nível prático da vida, o ser humano é capaz de pensar, conseguindo transformar necessidades sentidas em problemas, que se manifestam como questões. Questões, por sua vez, pedem soluções. Levantar problemas e gerar soluções é o que se chama atividade intelectual ou teórica.
Como se percebe, ação teórica e ação prática são indissociáveis no homem, da mesma forma que sua animalidade e sua racionalidade. Na verdade, a função essencial da razão humana é melhorar a vida. A capacidade de questionar é, pois, o que permite ao ser racional ir além das respostas naturais, únicas para suas necessidades impostas por instinto/ambiente/rotina, e diversificar. A razão manifesta-se na diversidade das respostas.
Considerando a proposta convencional de pesquisa como a busca de respostas para os mais variados problemas, essa noção será desdobrada cientificamente, passando a representar também a investigação sistemática de determinado assunto que visa obter novas informações e/ou reorganizar as informações já existentes sobre um problema específico e bem definido. Trata-se de um procedimento formal com método de pensamento reflexivo, que requer tratamento científico para conhecer a realidade ou descobrir verdades parciais. Desse modo, partimos do pressuposto de que a realidade não se desvenda na superfície. Contudo, nossos esquemas explicativos nunca esgotam a realidade, porque esta é mais exuberante que aqueles. Resultado do esforço individual e coletivo para dar significação à realidade, a teoria científica assim se desenha como um instrumento avançado da prática existencial.
Como se percebe, ação teórica e ação prática são indissociáveis no homem, da mesma forma que sua animalidade e sua racionalidade
Pesquisar é, portanto, o exercício intencional da pura atividade intelectual, visando melhorar as condições práticas de existência, ou seja, o "diálogo inteligente com a realidade", conforme definição proposta pelo sociólogo Pedro Demo, em Pesquisa: princípio científico e educativo (2005). Atenção para o avançado conceito de diálogo destacado pelo autor: "Diálogo é fala contrária, entre atores que se encontram e se defrontam. Somente pessoas emancipadas podem de verdade dialogar, porque têm o que contribuir. Somente quem é criativo tem o que propor e contrapor. Um ser social emancipado nunca entra no diálogo para somente escutar e seguir, mas para demarcar espaço próprio, a partir do qual compreende o do outro e com ele se compõe ou se defronta". Sendo assim, pesquisar também é dialogar, no sentido específico de produzir conhecimento do outro para si, e de si para o outro, por meio de uma base argumentativa dialética que contemple convergentes e divergentes pontos de vista.
Entre as qualidades intelectuais e sociais de quem se dedica à pesquisa, destacam-se: a) o conhecimento do assunto pesquisado; b) a curiosidade; c) a criatividade; d) a integridade intelectual; e) a atitude autocorretiva; f) a sensibilidade social; g) a imaginação disciplinada; h) a perseverança e a paciência; i) a confiança na experiência. Segundo a pedagoga Elisa Pereira Gonsalves, em Conversas sobre iniciação à pesquisa científica (2003), o pesquisador precisa saber se comportar diante da complexidade que envolve as três dimensões do fazer científico: a técnica, a teórica e a afetiva. O cientista deve apresentar exímia competência e habilidade para manusear os procedimentos técnicos e fundamentar as articulações teóricas e práticas direcionadas ao desenvolvimento da pesquisa. Fator decisivo para o funcionamento dinâmico de tais propósitos se revela no nível de envolvimento afetivo do pesquisador com a causa de estudo. Por isso, discutir o papel da subjetividade na investigação científica se faz importante e salutar.
Em uma passagem do diálogo Ménon, de Platão, Sócrates faz a seguinte distinção entre opinião e ciência: "E assim, pois, quando as opiniões certas são amarradas, transformam-se em conhecimento, em ciência, permanecem estáveis. Por esse motivo é que dizemos ter a ciência mais valor do que a opinião certa: a ciência se distingue da opinião certa por seu encadeamento racional". Opiniões são emitidas a todo momento e por todas as pessoas sem que haja necessariamente uma argumentação sólida para comprová-las. Nossa capacidade de emitir opiniões vem da enorme quantidade de informações que formam o nosso senso comum. A ciência, por sua vez, é o refinamento que transforma o senso comum em senso crítico.
Com a ampla difusão de que as teorias científicas são despidas de subjetividades e valorações, ficaram ofuscados pontos importantes na discussão de que quanto mais distanciado, melhor o cientista enxerga o objeto de pesquisa. Acontece que compreender pelo envolvimento pressupõe assumir a condição de estar-junto, indicando, assim, a ligação entre o conhecimento e o estado do mundo, realizada pelo julgamento de existência. A distinção sujeito-objeto perde os seus contornos dicotômicos, pois já não são polos separados. Significa dizer que aquilo que muitos denominam de "coisas em si" é sua própria interpretação. A mente origina-se da atividade cerebral que interpreta, valendo-se de afeto e de emoção. Não existe registro neutro, sem um componente de afetividade. A subjetividade é condição fundamental para o exercício da investigação científica.
* Professor das Faculdades JK e Ascensão, no Distrito Federal. Jornalista, poeta e doutor em Estudos Literários pela Faculdade de Letras da UFMG.