Institucional

'Sem confiança, não há democracia', diz Cármen Lúcia

Ministra falou dos desafios impostos pelas novas tecnologias da informação e defendeu a responsabilização das plataformas de mídia em conferência do programa de formação cidadã da UFMG

Carmen Lúcia agradece a plateia que lotou o auditório da Reitoria ao fim da sua conferência
Ao fim da sua conferência, Carmen Lúcia (ao lado da reitora Sandra Goulart) agradece à plateia que lotou o auditório da ReitoriaFoto: Jebs Lima | UFMG

A ditadura militar no Brasil privou as vítimas de acesso à informação para que não pudessem fazer escolhas. E hoje, com as novas tecnologias e as fake news, a desinformação tornou-se um novo cativeiro e está levando o ser humano ao pior dos mundos – à perda da capacidade de pensar e à desumanização. Para a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Cármen Lúcia, não existe democracia sem informação baseada na verdade dos fatos. A ministra discorreu sobre o assunto em conferência na manhã desta segunda-feira, 4, no auditório da Reitoria, a convite do Programa de Formação Cidadã em Defesa da Democracia da UFMG.

Para um auditório lotado de estudantes, servidores docentes e técnico-administrativos, além dos gestores da Universidade e representantes do Judiciário mineiro, a ministra reiterou a importância da confiabilidade das instituições e do acesso à informação para o fortalecimento da democracia. Ela criticou o uso do termo "fake news" em vez de "mentira", que, na sua avaliação, “parece um dispositivo para suavizar a dimensão das suas consequências danosas".

Cármen Lúcia:
Cármen Lúcia: informação para partilhar, dialogar e transformar a realidadeFoto: Jebs Lima | UFMG

Cármen Lúcia destacou o acesso à informação como direito fundamental previsto na Constituição de 1988, que significa direito a toda forma de conhecimento. “A pessoa com informação tem poder porque a informação lhe dá direito de escolha. E como disseram e escreveram Paulo Freire e Hanna Arendt, essa escolha faz sair da liberdade passiva, inocente, para a ativa, para transitar do individual para o político. É essa liberdade que nos permite partilhar, dialogar, transformar a realidade”, enfatizou.

Intensivista de UTI
A ministra chamou de quatro “V" os desafios trazidos pelas novas tecnologias digitais da informação e comunicação – volume, velocidade, viralidade e verossimilhança. “A neurociência já comprovou que o cérebro humano não dá conta de pensar e refletir sobre esse grande volume de informações que recebe diariamente e com essa velocidade. E a viralidade é o mal que isso provoca em nossa mente e em nosso corpo, como se fosse mesmo um vírus. Além disso, a verossimilhança produzida pela inteligência artificial, que dificulta a distinção do que é fato de fita ou fake é muito desafiador”, pontuou.

Sandra Goulart
Sandra Goulart destacou o trabalho da ministra em defesa da ConstituiçãoFoto: Jebs Lima | UFMG

Para a presidente do STE, as eleições municipais deste ano refletiram essa preocupação. “Eu me senti uma intensivista de UTI para garantir que 156 milhões de brasileiros habilitados a votar pudessem ir às urnas e escolher, livremente, quem gostariam que governasse suas cidades. Foram 5.569 municípios, ou seja, 5.569 eleições simultâneas, no mesmo dia, ao mesmo tempo”, relatou.

“No período da ditadura existia o seguinte mote: se você pensa que pensa, pensa mal. Quem pensa por você é o comitê central. E hoje podemos dizer que quem pensa por você é o comercial. Os algoritmos não são inofensivos. Eles têm intenção, têm donos e visam  ao lucro. Rui Barbosa elencou 83 sinônimos para mentira, e eu me atualizei: já são 93. Mas para a verdade só tem um, que é o fato. É por isso que precisamos resgatar a confiança das pessoas nas instituições e seu compromisso umas com as outras. Sem confiança não há democracia”, reforçou a ministra.

As novas tecnologias também foram defendidas por Cármen Lúcia como facilitadoras do acesso à informação e do esclarecimento de fatos. Ela citou o programa Bem na foto, utilizado este ano pelo TSE para candidatos validarem dados do registro de candidatura que foram para a urna eletrônica. E também destacou a regulação das plataformas de mídias sociais como medida efetiva para combater a desinformação. 

Compartilhar responsabilidades
“Quando eu disse às plataformas que o comerciante de qualquer produto estragado tem que responder pelo dano causado ao cliente, e não somente o fabricante, deixei claro que a responsabilidade pelas mentiras e pela desinformação disseminadas nas mídias também são de responsabilidade delas e não somente dos autores. Não há como permitir que as pessoas confundam liberdade de expressão com desinformação. Por acaso as leis de regulação do trânsito impedem o direito das pessoas de locomoção? E mais do que regulação, estamos falando de Estado democrático de direito. As leis brasileiras existem e precisam ser cumpridas", reiterou. 

“Nosso desafio é agirmos de forma prudente, eficiente e permanente na luta pelas liberdades com responsabilidade. Não é possível termos liberdade sem confiar nas pessoas. Precisamos repensar a construção de uma sociedade mais humana. Precisamos uns dos outros, não fazemos nada sozinhos”, concluiu a ministra.

Na abertura da conferência, a reitora Sandra Regina Goulart Almeida fez uma apresentação da ministra Cármen Lúcia, recordando sua passagem pela Universidade como aluna de mestrado e a medalha de honra que recebeu em 2017, por ocasião dos 90 anos da UFMG. “É uma defensora da Constituição e do papel transformador do voto", disse a reitora.

Comunidade da UFMG lotou o auditório da Reitoria para acompanhar a conferência da ministra
Comunidade da UFMG lotou o auditório da Reitoria para acompanhar a conferência da ministra Foto: Jebs Lima | UFMG

Jornada
Na próxima quarta-feira, 6, o Programa de Formação Cidadã em Defesa da Democracia promoverá conferência do professor da Escola de Jornalismo, Mídia e Comunicação da Universidade de Sheffield (Inglaterra) Dani Madrid-Morales, que dirige na instituição o Disinformation Research Cluster. Ele pesquisa comunicação política global com foco em desinformação no Sul Global. A conferência de Madrid-Morales integra a 1ª Jornada Internacional da Rede de Estudos sobre Democracia e Desinformação (Redd), vinculada ao Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares (IEAT) da UFMG e ao Programa UFMG de Formação Cidadã em Defesa da Democracia.

Teresa Sanches