Pesquisa da Medicina descreve nova doença neuromuscular
Grupos da UFMG, da USP e de instituições estrangeiras descreveram o quadro clínico e identificaram os genes envolvidos
Pesquisa realizada na Faculdade de Medicina da UFMG identificou novo quadro neurológico complexo causado por uma disfunção mitocondrial, que afeta os músculos, a visão e partes do sistema nervoso. Com o tratamento, à base de ingestão de vitaminas que melhoram o funcionamento da mitocôndria, os portadores da disfunção têm apresentado melhor qualidade de vida e controle dos sintomas musculares.
Além de descrever o quadro clínico, os pesquisadores da UFMG, sob coordenação da professora Juliana Gurgel Giannetti, do Departamento de Pediatria, identificaram o gene responsável pelas alterações na vida dos acometidos. O estudo foi realizado em parceria com pesquisadores internacionais e um grupo da USP. O trabalho foi premiado no 13º Congresso Brasileiro de Neurologia Infantil, realizado no mês de novembro.
O primeiro paciente a ser identificado com o novo quadro começou a ser acompanhado por Juliana Giannetti aos três anos de idade, quando apresentou alteração na visão. Mais tarde, um familiar desse paciente apresentou os mesmos sintomas, o que levou à constatação da correlação genética. E os sintomas se manifestaram também em três membros de uma família atendidos em São Paulo. Os pesquisadores da UFMG e da USP trabalharam em conjunto para a descrição completa do quadro clínico.
Disfunção na mitocôndria
Juliana Giannetti explica que o primeiro sinal da doença é a perda visual, causada pela atrofia do nervo óptico, que ocorre, geralmente, até os dois anos de idade. “Na primeira década de vida, os pacientes se queixam de dificuldades para fazer atividade física e, na segunda, costumam apresentar comprometimento do nervo periférico, que traz ainda mais fraqueza e mudança na sensibilidade nas pernas”, completa. Todas essas alterações estão ligadas à disfunção na mitocôndria – parte da célula responsável pela produção de energia.
A disfunção específica foi identificada por meio de biópsia dos músculos dos pacientes, que revelou padrão não descrito na literatura. Para entender melhor o quadro, os pesquisadores realizaram o estudo genético por exoma – sequenciamento de todos os genes do DNA. E identificaram a mutação no gene FDX2, cuja função nunca havia sido associada à disfunção de mitocôndria. A conclusão foi de que se trata de doença de transmissão genética, com herança recessiva.
Outro achado relacionado à doença na primeira década de vida é a alteração da substância branca do cérebro, identificada por ressonância magnética. De acordo com Juliana Giannetti, essa é uma descoberta rara, descrita na literatura para poucas doenças e sempre associada a um quadro neurológico grave. “No entanto, para os pacientes estudados, a alteração é naturalmente revertida com o tempo, sem manifestação clínica”, informa.
Recepção do estudo
Além da descrição deste complexo quadro clínico, a associação do gene FDX2 às funções da mitocôndria é um importante resultado, já que este fato não estava claro, diz a professora. Segundo ela, nenhum outro caso dessa doença foi relatado. “Alguns pesquisadores de outros países identificaram quadros musculares associados a outros genes com função semelhante à do FDX2, mas nenhum reúne todas as características descritas no nosso estudo.”
Para o tratamento dos sintomas, foi utilizada a reposição de vitaminas. “As famílias apresentaram melhora dos sintomas musculares, experimentando, em consequência, melhora na qualidade de vida”, afirma a docente.
A pesquisa, publicada no periódico Brain, um dos mais relevantes sobre a pesquisa em neurologia, foi reconhecida no Congresso Brasileiro de Neurologia Infantil e recebeu o Prêmio José Antônio Levy, da Academia Brasileira de Neurologia, que contempla os melhores estudos sobre doenças neuromusculares no país. Juliana Giannetti também foi convidada a apresentar o estudo no World Muscle Society Congress, considerado o mais importante da área, realizado em outubro deste ano, na Argentina.