Opinião

[Opinião] Risco iminente de um mundo monótono

Professor do ICB alerta para o atual padrão de restauração de áreas degradadas, baseado em pouca diversidade de espécies e que não promove conectividade ambiental

Área degradada no município de Colniza, Noroeste do estado do Mato Grosso
Área degradada no município de Colniza, Noroeste do estado do Mato Grosso: Brasil se comprometeu a restaurar 12 milhões de hectares até 2030Foto: Marcelo Camargo | Agência Brasil

A proteção das áreas naturais não é suficiente para salvar o planeta do caos anunciado. É necessário, também, restaurar uma grande parcela das áreas degradadas ao longo da história. Esse é um alerta dos cientistas que cuidam da ecologia e saúde do planeta. Esse pleito passou a ser tão importante que a Organização das Nações Unidas (ONU) declarou a atual década como a Década da Restauração de Ecossistemas (2021-2030).

As graves consequências da destruição das nossas florestas, campos e savanas já são vistas nos quatro cantos do mundo. Uma delas, e muito grave, é a perda da diversidade, pois sem ela provavelmente não adiantará apenas capturar o carbono, que é uma das principais causas do aquecimento global. Outra grave consequência social e econômica é a falta de água potável. Esta é provavelmente uma das questões mais importantes da humanidade, e sua falta resulta em incontáveis problemas socioeconômicos.

 A importância em restaurar ecossistemas fragmentados e retalhados por atividades humanas diversas foi percebida por muitos países, que se comprometeram a restaurar milhões de hectares degradados até 2030. Só o Brasil se prontificou a recuperar 12 milhões de hectares até aquela data.

Mas restaurar não é pintar o ambiente de verde. É preciso muito mais do que plantar árvores e cobrir a terra desnuda com qualquer espécie de planta. A restauração ambiental no Brasil e, em quase todas as partes do mundo, vem sendo feita de forma equivocada. E essa não é uma ideia nova. Há mais de 30 anos, temos produzido conhecimento sobre a restauração de ecossistemas complexos, diversos e com altos índices de espécies endêmicas no Brasil. Apenas agora, porém, a ciência está de fato se movendo para alertar a sociedade e os tomadores de decisão. 

Em geral, os projetos de restauração têm utilizado um padrão para todo tipo de ecossistema, com pouca diversidade de espécies e sem sequer conhecer a vegetação vizinha onde a restauração acontece. As consequências têm sido claras e resultado em áreas distintas do original. Estamos criando novos ecossistemas, que não atendem a um dos objetivos mais importantes da restauração: aumentar a conectividade ambiental. Ao inserir em uma dada região um número limitado de espécies que, frequentemente, não pertencem àquela área, tornamos o ambiente mais pobre, mais homogêneo.

Muitas vezes, as espécies introduzidas de outras regiões disseminam pragas e doenças nas espécies locais; em outras, podem escapar e resultar em um problema muito maior de invasão biológica

Outro aspecto fundamental da restauração que não tem sido alcançado por esse modelo limitado é o ganho em biodiversidade. Muitas vezes, as espécies introduzidas de outras regiões disseminam pragas e doenças nas espécies locais; em outras, podem escapar e resultar em um problema muito maior de invasão biológica. Assim, a restauração equivocada contribui para um ambiente mais monótono biologicamente e até, em alguns casos, “alienígena”, como em plantações de espécies exóticas, que além de não servirem de alimento para a fauna, não resultam na produção dos serviços ecossistêmicos de que mais precisamos, como a água e a manutenção de polinizadores. Essa restauração tinge o ambiente de verde e não entrega os serviços pelos quais a sociedade paga.

As espécies escolhidas para restaurar costumam ser aquelas que germinam rápido, contribuem para a fertilidade do solo e, sobretudo, estão disponíveis em viveiros e supermercados. Isso significa apenas uma fração muito pequena. Frequentemente são espécies exóticas agressivas, como eucalipto, capins africanos e feijão guandu. O resultado é a criação de ecossistemas distintos da vegetação nativa.  Em outras palavras, o passivo ambiental continua.

Alerta ao mundo na Science
Em publicação recente na revista Science, 17 pesquisadores do INCT Centro de Conhecimento em Biodiversidade, sob a minha coordenação no Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG, chamou a atenção para a necessidade de uma restauração heterogênea. No artigo, defendemos que a restauração precisa considerar as características de cada área a ser restaurada e priorizar uma maior diversidade de espécies de plantas. E alertamos sobre a importância de se criar cadeias de produção de sementes e conhecimento científico sólido sobre as espécies que compõem cada um dos ecossistemas que formam nossos campos e florestas. 

Uma das estratégias de absoluta importância nesse empreendimento é o uso de ecossistemas de referência. Esses ecossistemas são áreas nativas, próximas aos locais que se pretende restaurar, que podem fornecer informações importantes para guiar a restauração das áreas degradadas. Quando restauradas corretamente, essas áreas contribuem mais rápida e eficientemente para a conectividade dos ecossistemas, promovem a biodiversidade e um retorno maior e mais rápido dos processos ecológicos que resultam em mais serviços ambientais. Essas áreas funcionam como espelhos para guiar todo o processo e ainda fornecem sementes, polinizadores e dispersores de sementes durante a restauração.

Dessa forma, devemos ampliar a proteção dos fragmentos de ecossistemas naturais de forma mais sólida. Somente a restauração com espécies nativas pode promover mais rapidamente a conectividade do ambiente e a correta recomposição de nascentes, espécies de animais e plantas e gerar os benefícios que os ecossistemas podem fornecer para um desenvolvimento verdadeiramente sustentável.

Geraldo Wilson Fernandes | professor do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG