Covid-19 compromete percepção visual e orientação espacial, indica pesquisa
Ao menos 25% dos pacientes acompanhados por estudo da UFMG apresentaram problemas dessa natureza
Um em cada quatro pacientes infectados pelo novo coronavírus acompanhados por pesquisadores do Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina registrou algum tipo de dificuldade no processamento visuoespacial, que engloba habilidades como percepção visual e orientação espacial.
Esse é o primeiro achado dos pesquisadores que se dedicam a esse estudo desde agosto de 2020, sob a coordenação do professor Marco Aurélio Romano-Silva. A equipe está analisando 300 pessoas – metade desse grupo é formada por pacientes que tiveram infecção pelo Sars-CoV-2, e a outra metade constitui o chamado grupo-controle, formado por pacientes que tiveram resultado negativo para a covid-19.
Marco Aurélio Romano explica que ainda é muito cedo para classificar os impactos psiquiátricos causados pela infecção pelo Sars-CoV-2, mas destaca que os primeiros dados colhidos com voluntários indicam possível comprometimento do sistema nervoso central (SNC), inclusive em pacientes jovens que contraíram a forma leve da doença, sem necessidade de internação.
“No início da pandemia suspeitava-se que o vírus tinha um impacto maior no sistema nervoso dos pacientes que precisavam ser internados e intubados. Mas, nos últimos meses, aumentaram os relatos de comprometimentos em pacientes que apresentaram a forma leve da doença, tais como fadiga, dificuldade de concentração e perda de memória. Na nossa pesquisa, encontramos pacientes jovens – com média de 35 anos – que tiveram sintomas leves de covid, sem histórico de doença psiquiátrica, mas com alterações importantes nas habilidades visuoespaciais, o que não é comum nessa faixa etária”, relata.
O professor explica que as sequelas surgem porque o vírus tem acesso ao SNC e provoca uma inflamação, causando lesões nas células neuronais. Segundo ele, já se sabe que o Sars-CoV-2 consegue chegar ao cérebro pelos vasos sanguíneos ou pelos nervos periféricos que se conectam ao SNC. “Uma vez lá dentro, o vírus é um corpo estranho, que causa inflamação e altera a função dos neurônios”, diz Romano.
Voluntários
De acordo com Marco Romano, a pesquisa vai analisar os pacientes em um período de dois anos. Os voluntários estão sendo recrutados desde agosto de 2020 por meio de chamadas abertas, além de contato direto com o apoio dos hospitais Risoleta Tolentino Neves e Odilon Behrens. Todas as informações são processadas em um banco de dados do Núcleo de Ações e Pesquisa em Apoio Diagnóstico (Nupad), da Faculdade de Medicina, que também conta com apoio da Fundep.
“Os pacientes preenchem um formulário on-line para participar do estudo e, em seguida, partem para os exames, que começam com uma ressonância magnética do cérebro e uma avaliação neuropsicológica. Depois, são submetidos a uma tomografia por emissão de pósitrons (PET), que vai avaliar o metabolismo cerebral. Também colhemos sangue para análise sorológica e de marcadores neuroinflamatórios”, detalha o coordenador dos estudos.
Segundo o pesquisador, os exames serão repetidos após seis meses. Eles são feitos em parceria com o Laboratório Hermes Pardini. A pesquisa conta ainda com o apoio do Grupo Geraldo Busatto, que auxilia na análise de estatísticas das imagens, e do Departamento de Pediatria da UFMG.
Falhas de memória, raciocínio e concentração
A analista de projetos Rafaella Soares é uma das primeiras voluntárias do estudo. Ela tem 26 anos e contraiu a doença em janeiro deste ano. Rafaella afirma que os sintomas causados pela doença foram leves e, por isso, ela se tratou em casa. No entanto, algumas semanas após a infecção, ela começou a perceber alguns impactos em sua memória, raciocínio e concentração, que passaram a influenciar sua rotina.
“Fui percebendo esses problemas aos poucos, nas situações cotidianas. Certa vez, no meu trabalho, recebi um e-mail pedindo a entrega de uma tarefa. Na hora veio a preocupação porque achei que era uma demanda que estava parada, mas, quando fui checar, vi que não apenas eu já havia começado, como também finalizado. Eu simplesmente não me lembrava. Em outra situação, quando um médico me perguntou se eu tinha irmãos, demorei alguns segundos para responder, como se tivesse esquecido por um tempo”, relata.
Rafaella Soares afirma que decidiu participar do estudo para entender melhor os efeitos da doença sobre si mesma, mas também para ajudar futuros pacientes infectados. “Essa é uma doença que não vai desaparecer agora, então, é importante estudar seus impactos e descobrir uma forma de evitá-los. Espero contribuir nesse sentido”, afirma.
Marco Aurélio Romano explica que, embora as primeiras análises indiquem comprometimento do sistema nervoso central nos pacientes infectados pelo Sars-CoV-2, a pesquisa está em andamento, e ainda não é possível falar em resultados. Também não se sabe ainda se essas possíveis sequelas são temporárias e reversíveis. Por isso, ele reforça a importância do estudo e do acompanhamento desses pacientes.
“Vamos repetir os primeiros exames no próximo mês, quando começaremos a entender melhor a extensão dessas sequelas. Isso é essencial para pensar em profilaxia. Quanto mais rapidamente entendermos a ação do vírus no SNC, mais cedo poderemos pensar, também, em maneiras de intervenção”, destaca.
A pesquisa conta com financiamento da Capes, que investiu R$ 340 mil no estudo e concedeu duas bolsas a pesquisadores do doutorado e de pós-doutorado. A Fundep ajuda na captação de recursos e na conexão com instituições científicas que são estratégicas para a realização do estudo.
O estudo também busca voluntários infectados pela covid-19 na faixa etária de 18 a 60 anos. Pessoas que se encaixarem no perfil e tiverem interesse em participar podem se inscrever por meio do preenchimento de formulário ou pelo WhatsApp do Centro de Tecnologia em Medicina Molecular: (31) 99723-4160.