Combate ao novo coronavírus é afetado pela forma de mobilidade dos centros urbanos
Pesquisa desenvolvida por universidades de Minas Gerais e do Rio de Janeiro investiga a relação entre a estrutura do transporte público nas cidades e o ritmo de contaminação pela Covid-19
Um estudo em andamento, elaborado por universidades mineiras e cariocas, está investigando a relação entre a estrutura urbana e de mobilidade de cada cidade e o ritmo de contaminação pelo novo coronavírus. A pesquisa, “Mobilidade Urbana e COVID-19: Cidades diferentes ditam ritmos diferentes de contaminação?” aponta que aquelas cidades que têm meios de transporte mais acessíveis foram também atingidas de maneira mais acelerada pela Covid-19. O estudo, organizado inicialmente a partir de uma parceria entre pesquisadores do CEFET-MG e da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, e atualmente conta com uma equipe multidisciplinar de especialistas de outras universidades, como a UFMG e a UFRJ.
O arquiteto e urbanista Guilherme Leiva, coordenador do curso de Engenharia de Transportes do CEFET Minas, é um dos pesquisadores envolvidos no estudo. Em entrevista à Rádio UFMG Educativa, o professor explicou os modelos de cidades investigados pela pesquisa. “Partindo do princípio de que a Covid-19 é uma que ocorre a partir do contato entre as pessoas, as cidades com maior possibilidade de contato tem uma velocidade maior de contaminação. Assim, os municípios com grande circulação de pessoas em curtas distâncias são as denominadas cidades compactas, e aqueles em que a população é distribuída em grandes áreas são definidos como cidades espraiadas”, define Leiva.
O estudo tem a mobilidade urbana como foco principal na análise das características de ambos os tipos de cidades, as compactas e as espraiadas. Leiva aponta que em cada uma delas os meios de transporte são desenvolvidos de maneiras diferentes: “Cidades compactas costumam ter mais transportes coletivos, enquanto as espraiadas são extremamente dependentes do automóvel”. Para o professor, essa diferença é determinante para a maneira com as quais os governos devem lidar com uma crise sanitária como essa. “Nas cidades compactas, se os governantes agirem de forma rápida, restringindo ou fechando o transporte coletivo, eles automaticamente induzem à população ao isolamento social, possibilitando um controle muito maior do contágio do vírus”, explica o pesquisador. Porém, quando essa resposta não é feita com rapidez, o que ocorre é um efeito contrário: “esse mesmo lugar que seria favorável ao controle passa a se tornar o vetor de espalhamento do vírus, porque é exatamente nesse espaço de circulação e permanência, que são os meios de transporte, que vai ocorrer o maior contato entre as pessoas”, adverte o professor.
No caso das cidades espraiadas, o professor e pesquisador Guilherme Leiva explica que a dependência de meios de transporte individuais cria uma falsa sensação de segurança. “Inicialmente essas cidades conseguem um maior controle inicial de espalhamento do vírus, pois já existe um distanciamento, em que as pessoas usam veículos que promovem pouco contato social. Porém, quando esse contato volta a ocorrer, com a reabertura da cidade e volta da jornada de trabalho, as cidades espraiadas não conseguem ter a mesma eficiência de controle do contágio que uma cidade compacta tem”, aponta o professor.
Para Leiva, as cidades brasileiras podem ser entendidas como híbridas entre essas duas definições. “Belo Horizonte, por exemplo, tem áreas muito densas, como os centros, e áreas espraiadas, como as periferias”, exemplifica o professor, “portanto, o que acompanhamos nos boletins epidemiológicos da cidade são as regiões mais compactas, como a Centro-Sul, com maior incidência de contaminação do vírus, em função da grande circulação de pessoas”, aponta. “As periferias conseguiram se manter protegidas por um certo período, mas agora observamos uma aceleração na velocidade de contaminação nessas áreas, muito por conta da retomada de atividades e do uso de transportes coletivos”, avalia o pesquisador.
Ao longo do estudo, os pesquisadores ressaltam que apesar das características do vírus serem as mesmas em todos os lugares, cada cidade tem as suas particularidades, e portanto, devem criar um modelo particular para enfrentar a pandemia. “Existem características estruturais das cidades que auxiliam ou não no combate ao contágio, por isso é fundamental que os governos tomem medidas de maneira organizada, sem se basear cegamente em modelos de outros municípios, porque cada cidade é um organismo único”, argumenta Leiva.
Momento para repensar a mobilidade urbana
Para o arquiteto e urbanista Guilherme Leiva, é momento de “reconsiderar tudo”: “Acho que a gente tem como obrigação repensar a nosso forma de viver, pois estamos observando que o individualismo é ineficiente. Precisamos buscar ser uma sociedade que pensa mais no coletivo porque, além de economizar nossos recursos, realizar uma gestão urbana do coletivo é muito mais fácil do que ter que interceder, individualmente, nas decisões das pessoas”. Leiva ainda ressalta que outras pandemias podem voltar a ocorrer, por isso é necessário que as cidades estejam preparadas para esses eventos. “É importante identificar esses aspectos não apenas para minimizar os impactos da crise atual, mas para que criemos cidades mais resistentes a essas adversidades, que possam ser geridas de maneiras mais eficazes”, conclui o professor, em entrevista para a Rádio UFMG Educativa.
Assista também o professor Guilherme Leiva falando sobre o estudo "Mobilidade Urbana e COVID-19: Cidades diferentes ditam ritmos diferentes de contaminação?” em vídeo no Youtube.