Pesquisadora da UFMG garimpa fotos que contam uma “história insurgente” de Belo Horizonte

Premiada pela UFMG, tese faz um contraponto à narrativa hegemônica da capital, em crítica à “modernidade colonialista”

Com o intuito de recuperar as memórias das “existências que teimam em permanecer”, “potências de instabilidade” existentes na origem da cidade de Belo Horizonte, a arquiteta Priscila Mesquita Musa defendeu no ano passado a tese Quem vê cara não vê ancestralidade: Arquivos fotográficos e memórias insurgentes de Belo Horizonte, no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (NPGAU) da UFMG.

No fim do século 19, quando se cravou que a nova capital de Minas Gerais seria erguida no vale onde até então existia o arraial de Curral del Rei, uma comissão construtora foi designada para tocar os trabalhos. Uma curiosidade que poucos sabem é que, além de vários engenheiros, arquitetos, tesoureiros, pedreiros, amanuenses e marceneiros, essa comissão contou com um gabinete fotográfico oficial, cuja missão era fazer algum registro do antigo arraial, conforme ele era botado abaixo, e promover os modernos projetos arquitetônicos que iam sendo erguidos em seu lugar. O objetivo era produzir fotos que fossem capazes de exaltar a grandiosidade do projeto, lançar sobre ele uma perspectiva otimista e atrair imigrantes nacionais e de outros países para a nova cidade, que se queria cosmopolita e vinculada ao futuro global. 

Sob essa perspectiva, as milhares de fotografias produzidas pelo gabinete – que atuou a partir de 1894 – acabaram por legar ao futuro uma história enviesada: se por um lado essas fotos retrataram a contento as novas construções, a pompa e a circunstância das situações oficiais e as personagens que foram se destacando no âmbito positivista desse afã construtor, por outro elas acabaram obliterando questões mais subjetivas relacionadas à vida das pessoas que já viviam no lugar – pessoas que, de diferentes formas, acabaram tendo as suas vidas atropeladas pelo trator da história. 

Para dar forma ao seu trabalho, Priscila começou a procurar, nessas fotografias, enfoques ou narrativas visuais que confrontassem essa “vertente amplamente difundida da história enaltecedora do Bello Horizonte e seus homens ilustres” (o itálico é usado pela autora). “O projeto de modernidade colonialista aparentemente vitorioso em muitas das fotografias que apresento nesse percurso e nas publicações mais conhecidas é de origem e natureza incompletas, falho, é a história mal contada, o filme fotográfico que não foi possível revelar. Belo Horizonte expandiu conformando uma vasta Região Metropolitana de maneira que seria factível inferir por sua proporção espacial densamente conformada por periferias, vilas, favelas, ocupações, que Belo Horizonte não é uma cidade planejada – através da comparação entre a extensão da área do plano original, e mesmo da distribuição proporcional da população que o ocupa, e todo o resto da metrópole (mesmo que tenham havido subplanos e projetos)”, ela anota. “Essa cidade, como tantas outras, é habitada por diferentes mundos que estão por todos os lados, visíveis e invisíveis, ocupam as imagens, os tempos e os espaços desafiando a monocultura humana extensiva.”

Contra a 'normatividade visual'
Nesse contexto, Priscila buscou imagens que pudessem, em seus planos secundários, contar essa outra história da nova capital de Minas Gerais – uma história divergente da história ainda hoje hegemônica, que associa muitas vezes acriticamente progresso e predação. Sua busca foi por imagens capazes de se insurgirem contra essa “normatividade visual” com que Belo Horizonte é apresentada na oficialidade da sua história de origem, modulação que, a rigor, acabou atravessando seus quase 130 anos de história – uma normatividade que, ao naturalizar a exclusividade do ponto de vista das forças dominantes, produziu e segue ainda hoje produzindo invisibilidades.

Para delimitar o corpus de sua investigação, a pesquisadora vasculhou dois museus de destinação pública – o Museu Histórico Abílio Barreto e o Museu da Imagem e do Som de Belo Horizonte – e oito arquivos: o Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, o Arquivo Público Mineiro, o Sistema de Pesquisa de Acervo da Comissão Construtora da Nova Capital de Minas, o Laboratório de Fotodocumentação Sylvio de Vasconcellos, da UFMG, o Arquivo Nacional, a Biblioteca Digital Luso Brasileira – que reúne o acervo das Biblioteca Nacional do Brasil e de Portugal –, a Brasiliana Fotográfica – formado por acervos da Fundação Biblioteca Nacional e do Instituto Moreira Salles – e o Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas.

Saiba mais sobre a tese e conheça algumas de suas fotos em matéria produzida para o Portal UFMG.

Tese: Quem vê cara não vê ancestralidade: arquivos fotográficos e memórias insurgentes de Belo Horizonte
Autora: Priscila Mesquita Musa
Programa: Arquitetura e Urbanismo
Orientadora: Renata Moreira Marquez

(Texto de Ewerton Martins Ribeiro)

Assessoria de Imprensa UFMG

Fonte

Assessoria de Imprensa UFMG

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